quinta-feira, 11 de março de 2010

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O Domingo, ao contrário do que seria de esperar, visto ser véspera de consulta, foi tranquilo.
Gerou-se até mesmo uma espécie de euforia que só o medo é capaz de provocar.
Houve até mesmo alturas durante as nossas conversas que se chegou a pôr a hipótese de engano...

No entanto a expectativa sentia-se no ar.

O que vou dizer a seguir poderá soar uma brutalidade mas é a mais pura verdade. Nessa noite, quando me deitei fui surpreendida com uma sensação de alívio! Apesar do terror que dominava o meu corpo sentia-me estranhamente aliviada. E era uma sensação muito agradável porque o peso que eu sentia desde criança subitamente tinha desaparecido. O "mal ruim" tinha-nos encontrado e a minha espera tinha terminado.

No dia seguinte os ânimos continuavam iguais aos do dia anterior. A consulta estava marcada para as duas horas da tarde em Viseu e não tenho qualquer lembrança se almoçámos ou não.
A viagem foi tensa e a entrada no consultório ainda pior.
O meu pai não quis entrar e como tal acompanhei a minha mãe à consulta.


O médico recebeu-nos muita cortesia e delicadeza, no entanto, com o decorrer da conversa mudou radicalmente o seu comportamento. Tornou-se extremamente agressivo, começou a falar muito alto, a gesticular imenso e basicamente dizia coisas sem nexo.
Lembro-me perfeitamente de me começar a sentir dominada pela raiva e enquanto ele barafustava eu só conseguia imaginar-me a pular da cadeira e esbofeteá-lo para que se controlasse, afinal de contas ele era o médico e como tal, o dever dele era serenar os ânimos e não exaltá-los ainda mais.

A única coisa decente que fez foi contactar um colega de profissão que tinha consultório em Coimbra e que por sinal era também médico no IPO e assim o processo seria conduzido mais rapidamente.
Quando terminou a chamada disse-nos que no dia seguinte teríamos que estar em Coimbra às duas da tarde para a minha mãe ser examinada.
Nada mais adiantou e levantou-se para nos acompanhar à porta com o desejo estampado na cara de nunca mais nos querer ver à frente.

Resta-me dizer que o desejo era mais que recíproco.

Quando cheguei à rua estava possessa de raiva. Sentia a cara em brasa e o coração batia descompassado. Afastei-me por alguns minutos dos meus pais e belisquei-me na barriga com toda a força que pude para chorar e desabafar o ódio que estava a sentir.
Não consegui chorar mas a dor foi forte o suficiente para me acalmar e depois de respirar fundo voltei para junto dos meus pais.
A minha mãe estava ainda a relatar os acontecimentos ao pai por isso optei por ir para dentro do carro, deitar-me no banco de trás e esperar em silêncio.
Como é óbvio, o clima familiar ficou bastante alterado e o espírito com que fomos à consulta no dia seguinte não era o mais feliz.


O médico que nos atendeu, o Dr. D. foi extraordinário. Apesar de não ser de muitas palavras, recebeu-nos muito cordialmente. Nessa consulta entrámos os três.
Inicialmente quis examinar a minha mãe. Foi encaminhada para uma salinha e nós os dois, o meu pai e eu, ficamos no consultório sozinhos.
Nenhuma palavra foi proferida durante o tempo que durou o exame.


De seguida, e já novamente todos no consultório, pediu pra ver o relatório da mamografia que ainda estava na minha posse e após uma longa pausa disse estas palavras: " O dever de um médico não é iludir os pacientes mas sim dizer-lhes a verdade.
Neste momento não tenho nada de concreto para lhe dizer até fazermos a biópsia e o resultado, mas devo alertá-la para o possível quadro que se apresenta. O tumor está localizado no seio esquerdo numa posição muito má. A maior parte dos tumores da mama encontram-se do lado exterior, próximos da axila.
O seu, está no no lado oposto, por baixo do esterno, o que significa que a haver metásteses elas se expandirão para orgãos internos como o estômago, os pulmões e coração. "

A minha mãe começou a chorar e o médico, tomando mão dela disse: " Estou apenas a prepará-la para o pior. Até agora a única certeza que temos é que o tumor está lá. Vai ter coragem e Quinta Feira quero-a logo de manhã no IPO para fazermos a biópsia."


Apesar das palavras terem sido duras de ouvir o médico tinha cumprido o seu papel e senti que dentro do que lhe fosse possível ele iria ajudar a minha mãe.
O mai pai saiu do consultório pior que nós as duas e essa foi a última vez que ele entrou nas consultas. A partir daí fomos só as duas.

Durante esses dias outros factos aconteceram e que me abalaram muito mas que denotam bem a essência humana e o comportamento das pessoas em situações de extremo.
No entanto, por não terem já qualquer importância não são dignos de nota, apenas de um comentário, seja onde for que estejas espero que a tua consciência te perdoe.

Na quinta feira de madrugada lá saímos nós de casa a caminho de Coimbra desta vez para o IPO - Instituto Português de Oncologia. Desta vez a solenidade do acto era maior porque íamos para um local onde só são tratadas doenças do foro oncológico e nada mais. Ao chegarmos senti um aperto no peito e uma certeza, aquela seria a primeira de muitas visitas àquele Hospital.
A minha mãe apresentou-se e de imediato foi aberto o processo. Foi encaminhada para o laboratório, a fim de serem feitas análises ao sangue e de seguida fomos com ela para a ala cirúrgica onde ia ser feita a biópsia.

Após alguns minutos à espera ela foi chamada e nós ficámos na sala de espera. Ela ainda olhou para trás e sorriu o que me reconfortou bastante.
O meu pai, assim que deixou de ser avistável pela minha mãe, uma vez que o corredor era envidraçado, foi até à rua espairecer. Eu fiquei.
Fiquei a ambientar-me ao local.

Recordo-me que estavam quatro pessoas na sala de espera para além de mim. Um casal idoso, um homem sozinho de meia idade e uma rapariga bastante jovem.
Na salas de espera é impossível não ouvir as conversas que vão ocorrendo entre as outras pessoas. Percebi então que do casal de meia idade o Sr. estava a aguardar internamento para remoção de tumor na próstata. O homem sozinho, estava à espera da mãe que tinha ido fazer uma biópsia e a rapariga jovem tinha 21 anos e um cancro de pele.
A porta abriu-se e o meu coração deu um salto! Não era a minha mãe. Quem saiu, era uma senhora já de bastante idade que se dirigiu ao homem que esperava sozinho e recordo-me de pensar que muito feliz eu seria, se a minha mãe chegasse a velha.

Estes pensamentos fizeram-me chorar enquanto esperei pacientemente durante 42 longos minutos.

Quando a minha mãe finalmente saiu, corri na direcção dela para a amparar pois ela estava branca como a cal.
Saímos dali e fomos ao bar do Hospital tomar o pequeno almoço visto que estávamos todos em jejum por solidariedade.
Após o pequeno almoço foi quando a minha mãe contou o que se havia passado no bloco cirúrgico. A biópsia não tinha sido nada mais que injectar uma seringa gigante na mama em direcção ao tumor de forma a retirarem material para análise.

O resultado ia demorar cerca de um mês. Só nos restava esperar que o telefone tocasse.

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Dizei de vossa justiça minha gente :)