quarta-feira, 10 de março de 2010

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A muito custo a viagem lá foi feita com sucesso. Chegámos a casa sãos e salvos mas eu estava destroçada.
E agora? Era o meu único pensamento.

Ao entrarmos em casa a minha mãe foi directamente para o sofá e o meu pai foi até à oficina.
Todos temos o nosso local de meditação, o dele é lá, entre martelos e berbequins.

Por instantes fiquei parada na cozinhaa olhar para a minha mãe sem saber o que dizer e como nenhuma ideia surgiu naqueles instantes resolvi ir ter com o meu pai.

Deparei-me com ele pasmado a olhar para a bancada das ferramentas e o meu primeiro impulso foi abraçá-lo. Assim fiz mas o resultado não foi o esperado. O meu pai afastou-me, olhou-me nos olhos e perguntou: "O que é que te disse o médico?"

Perante esta pergunta directa acobardei-me e não fui capaz de responder com sinceridade por dois motivos: não era capaz de o magoar ainda mais e apesar de tudo considerei que a minha mãe tinha que ser a primeira a saber.
Respondi com uma meia verdade. Disse-lhe que o médico disse que a situação tinha que ser vista, que era grave mas que não tinha adiantado mais.
Perante isto o meu pai suspirou, deixou cair uma lágrima e disse que ia dar uma volta. Pegou na chave do carro e saiu.

Fiquei novamente sozinha. O silência era de tal forma absurdo que conseguia ouvir o respirar pesado da minha mãe no andar de cima.
Engoli em seco, subi as escadas e fui ter com ela. Como ela ocupava o sofá não me era possível ficar a seu lado, então, ajoelhei-me e encostei a minha cabeça à dela e começamos a chorar sem dizer palavra.
Não sei quanto tempo estivemos assim mas creio terem sido algumas horas pois entretanto anoiteceu.

Quando cessaram as lágrimas senti-me preparada para lhe contar.

Tomei as mãos dela nas minhas e com muito carinho contei-lhe o que o médico me tinha dito. Ela voltou a chorar e disse entre soluços que não ia ter coragem para se tratar.
Ouvi tudo o que ela disse. Eram palavras de desespero, desânimo, revolta mas acima de tudo de medo.

Eu estava paralisada. Pela primeira vez na vida senti a fragilidade da minha mãe e percebi que a partir desse dia nada mais seria igual. Os papéis tinham acabado de se inverter por tempo indeterminado.

Entretanto lembrei-me que tinha o exame na minha bolsa e impulsivamente abri-o. Lá dentro estavam as piores notícias possíveis. Eu estava a ler mas não estava a acreditar apesar de a palavra Carcinoma estar por mais que uma vez referida. Estava também indicada a dimensão do tumor mas é algo do qual não me recordo. Houve certas coisas que o meu cérebro, apesar de pouco selectivo, apagou do registo central para evitar um meltdown.

As horas foram passando e nós continuámos ali pelo sofá a conversar. Nunca nos lembrámos de jantar nem foram feitos quaisquer planos para o dia seguinte.

Já mais tarde o meu pai chegou e deparou-se connosco esparramadas no sofá, com os olhos inchados e pálidas de fome. Olhámos uns para os outros mas não havia nada a dizer.

Ele foi-se deitar e nós também.
No dia seguinte, sábado, recordo-me que acordei tarde e com a sensação de que tudo quanto tinha acontecido no dia anterior não passava de um sonho mau. No entanto, assim que me levantei e vi os olhos tristes da minha mãe, despertei para a dura realidade.
Respirei fundo e pensei que tínhamos o fim de semana para assentar ideias até à consulta de 2ª feira.

Mal eu sabia o que me esperava.

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Dizei de vossa justiça minha gente :)